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  • Foto do escritorLayne Gabriele

A intelectualidade de pessoas negras e periféricas para além da Universidade

Layne Gabriele e Vinícius Santana



Em 2020 e 2021, em decorrência da COVID-19, muitos de nós passamos a utilizar ainda mais a internet. Nesse cenário virtual, diversos talentos latentes conquistaram maior visibilidade, ocupando mais espaços e alcançando mais pessoas. Talentos que se mostraram não só na produção de conteúdo humorístico, mas também conteúdo intelectual. Uma onda (ainda muito pequena) de pessoas pretas que estão nas universidades propagaram (e continuam propagando) uma democratização do conhecimento, divulgando aquilo que aprenderam e, com isso, produzindo conhecimento. Mas, e quem não está na universidade? Essas pessoas não produzem conhecimento? ¹


É inegável que a produção do conhecimento científico ocorre nas universidades, e segue um método e rigor acadêmico. Vimos que as universidades tiveram um papel central na luta contra a COVID-19 e na produção de vacinas; sem elas, talvez a vacinação demorasse ainda mais. Mas não podemos deixar de lado que o conhecimento científico é um tipo de conhecimento, e não o único. Além dele, por exemplo, a sabedoria popular, que é transmitida de geração a geração, é um conhecimento tão válido quanto. Não é à toa que, muitas vezes, atribuímos aos mais velhos (como nossos avós e avôs) o título de “sábios”, porque o conhecimento que eles possuem foi construído na e pela experiência de vida.


Muitos de nós, ao ouvir o termo “intelectual”, pensamos em uma pessoa do gênero masculino, branca, com terno e gravata, que teve acesso à universidade e à idéias abstratas e, justamente por isso, utiliza um vocabulário quase que desconhecido para pessoas como nós, negras e periféricas. Esse estereótipo acaba por invisibilizar e silenciar nossos intelectuais, nossos sábios que construíram seu saber na matéria-prima mais elementar do ser humano: a prática. O intelectual, então, não é aquele que só trabalha com conceitos abstratos e produz uma teoria separada da realidade, mas também aquele que trabalha e formula conceitos a partir da sua experiência de vida, a partir da sua realidade.

Um exemplo dessa intelectualidade pode ser observada se nos atentarmos à trajetória de um dos maiores nomes da história da literatura brasileira: Carolina Maria de Jesus (1914-1977). Mesmo nascida e criada em um cenário onde a desinformação (ou informações fragmentadas) a perseguia, Carolina teorizou e antecipou inúmeros assuntos poucos discutidos na época e que posteriormente viriam à tona no debate público. Assuntos como a desigualdade econômica, exclusão social, fome, miséria, racismo e a condição da mulher negra periférica foram abordados com sensibilidade e lucidez por Carolina, cuja obra foi reconhecida nacional e internacionalmente. Seus escritos não devem ser entendidos somente como “diários”; defini-los e rotulá-los assim seria, talvez, reduzir o alcance e o impacto da obra de Carolina, bem como simplificar sua complexidade. Sua obra evidencia, sobretudo, a sua intelectualidade.


“Carolina é uma intérprete literária do Brasil, que disputa uma leitura acerca de nossa formação social e reflete sobre um projeto futuro de país, com cidadania plena, liberdade e igualdade racial, com destaque ao direito à educação e à moradia.” - Trecho retirado da exposição: Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros.


No Brasil, temos inúmeros exemplos de pessoas pretas e periféricas que assim como Carolina Maria de Jesus, são e podem ser consideradas intelectuais. Esses intelectuais insurgentes vão contra o projeto colonial quebrando o silêncio que é imposto sobre a gente, nos lembrando da importância de assumir a condição de favelado, de termos orgulho disso e reconhecermos o nosso potencial; ou seja, ao mesmo tempo em que eles denunciam as dores de um favelado, eles também celebram a vida e exaltam a negritude e a potência da cultura periférica.


As nossas vivências, de pessoas pretas e periféricas, nos tornam intelectuais capazes de discutir e formular questões que talvez não tivessem sido imaginadas antes. Ao falar sobre essa obviedade, não estamos esquecendo e/ou romantizando as desgraças e opressões que atravessam a favela, a forma como estamos desassistidos ou como sempre tudo foi ‘nois por nois’. O lugar da margem deve ser entendido não somente como um lugar de ausência e vulnerabilidade, mas também como um lugar que pode alimentar nossa capacidade de interpretar a realidade e, mais que isso, imaginar outros mundos possíveis.



“A margem se configura como um “espaço de abertura radical” e criatividade, onde novos discursos críticos se dão”

“[..] margem é um local que nutre nossa capacidade de resistir à opressão, de transformar e de imaginar mundos alternativos e novos discursos”




¹ Obs: É importante lembrar e nunca esquecer que as politicas de cotas tem um papel importante e central na entrada de pessoas pretas na Universidade. Ainda sim elas sozinhas não são suficientes para garantir a entrada desses mesmo alunos pretos e periféricos. Mas isso é assunto pra uma outra conversa.



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